21 de dezembro de 2006
CHRISTOPHER BROWNING:
Como um governo decide, como questão de política pública, assassinar um determinado grupo de pessoas? Como pessoas – pessoas comuns – se tornam assassinas em massa? O Holocausto não foi simplesmente um ato de sadismo cometido por alguns loucos ligados ao regime nazista. Ele foi um processo burocrático e administrativo, ele envolveu todas as facetas da sociedade e da vida alemãs. E não poderemos entender os nazistas, não poderemos entender a Segunda Guerra Mundial, e não podemos entender a história da Europa no século 20 se não conhecermos o Holocausto.
DANIEL GREENE:
O historiador Christopher Browning acredita que faz parte do seu trabalho de educador levantar questões difíceis. A história, diz ele, nos permite entender a nós mesmos, conhecer o que somos capazes [de fazer] dentro de nossa condição de seres humanos. Em seu livro "Ordinary Men" ("Homens Comuns"), o professor Browning examina as escolhas feitas por alemães comuns que se tornaram assassinos em massa durante o Holocausto. Ele nos força a olhar de perto o lado humano dos assassinos nazistas.
Bem-vindo a "Vozes sobre o Anti-semitismo", uma série gratuita de podcasts do Museu Estadunidense Memorial do Holocausto. Meu nome é Daniel Greene, e sou o apresentador da série. A cada duas semanas, convidamos um participante para refletir conosco sobre as diversas maneiras como o anti-semitismo e o ódio [em geral] afetam o mundo nos dias de hoje. Com vocês, o historiador Christopher Browning.
CHRISTOPHER BROWNING:
Na maior parte da história da Europa, e para a maioria dos europeus, o anti-semitismo é um aspecto muito secundário de sua visao-de-mundo. Já que o termo era [e é] muito comum, não houve sinal de advertência, nenhum alarme que soasse quando Hitler começou a maltratar os judeus. O anti-semitismo europeu existe há mais de mil anos; muitas das acusações contra os judeus que constam na literatura medieval ainda existem hoje, [mais de] mil anos depois. Assim, quando os nazistas as adotaram [as acusações medievais], eles passaram a dizer coisas que há muito se dizia e que fazia parte da [mentalidade da] sociedade européia, articulando aquelas acusações em um conjunto [de outras idéias] que, por suas implicações para as políticas desenvolvidas, foi inovador e radical [em sentido negativo].
Os nazistas sentiam-se engajados em uma empreitada histórica para reformular o mapa demográfico mundial. O racismo estava no cerne da concepção que tinham do funcionamento do mundo. Suas idéias, basicamente, eram de que a história era uma constante luta entre diferentes raças, e a de os rumos da história dependiam de quais seriam as raças vencedoras e quais as perdedoras. Esta ideia era profundamente ligada à concepção de que Hitler tinha da construção da história e do seu papel nela.
Acho que devemos evitar olhar para o Holocausto como algum tipo de desastre natural. O Holocausto não foi um tsunami. O Holocausto não foi um terremoto. O Holocausto foi um acontecimento criado pelo ser humano. As pessoas tomaram decisões e agiram. Se tratarmos o Holocausto como algum tipo de acontecimento sobrenatural, estaremos simplesmente apagando-o da história e transformando-o em um tipo de acontecimento misterioso ou místico. Acho que devemos preservar as dimensões humanas daquele fato e, para fazê-lo, precisamos olhar de perto os perpetradores, tanto os que criaram as políticas e tomaram as decisões, quanto os que as executaram, que levaram adiante a matança, dia após dia, frente a frente com suas vítimas. Precisamos tratá-los como seres humanos, sem esquecer que a [nossa] única finalidade é a de captar o horror de tudo o que aconteceu [no Holocausto]. Porque, depois que você começar a ver os perpetradores como seres humanos, você sentirá um peso desconfortável na consciência [e se perguntará]: será que eles são fundamentalmente diferentes de mim? E, naquelas circunstâncias, o que eu teria feito?