24 de maio de 2007
ELIE WIESEL:
A indiferença é uma opção muito fácil, você não precisa gastar seu tempo. Você pode ficar em casa, fazer suas refeições e dormir, ao invés de se preocupar com as pessoas que sofrem e que vivem atemorizadas.
DANIEL GREENE:
Elie Wiesel — sobrevivente do Holocausto, autor de vários best-sellers e ganhador do prêmio Nobel da Paz – tem trabalhado incansavelmente para combater a intolerância, a injustiça e a apatia. No início deste ano, Wiesel foi atacado por um contestador do Holocausto, em um hotel na cidade de São Francisco. Embora o ataque não tenha lhe causado danos físicos, o incidente levou Wiesel a refletir sobre um tema recorrente em seu trabalho, o que ele chama de "perigos da indiferença".
Bem-vindo a "Vozes sobre o Anti-semitismo", uma série gratuita de podcasts do Museu Estadunidense Memorial do Holocausto. Meu nome é Daniel Greene. A cada duas semanas, convidamos um participante para refletir sobre as diversas maneiras como o anti-semitismo e o ódio afetam o mundo nos dias de hoje. Com vocês, diretamente do seu escritório na cidade de Nova Iorque, Elie Wiesel.
ELIE WIESEL:
Vou dar-lhes um exemplo. Aquela pessoa que me atacou, lembram? Quando já estávamos fora do elevador, ele tentou me empurrar para dentro do seu quarto. Eu comecei a gritar, literalmente a berrar. Não me lembro de ter berrado daquele jeito antes– "Socorro! Socorro! Socorro!" Devo ter gritado uns três minutos. Nenhuma porta se abriu. Então [depois que conseguir escapar], desci para falar com os seguranças do hotel e eles disseram: "Umas três pessoas nos telefonaram dizendo que ouviram seus gritos." Três [apenas]– [naquele local] devia ter umas 20 ou 30 [pessoas naquela hora], afinal, eram 6 da tarde – 6 ou 7 da noite – mas nenhuma porta se abriu. Como é possível não se sentir desanimado?
O que eu penso sobre isto? [É a] Indiferença, sabe? A minha vida inteira, eu lutei contra a indiferença. Sei que pelo menos três pessoas telefonaram [para a portaria], mas nenhuma delas abriu a porta. Isto dói. Quero dizer, de que vale todo o meu trabalho? [Com ele, eu] Queria tentar acordar as pessoas [de sua indiferença].
Até mesmo em termos de moral, a moralidade implica em uma preocupação com o outro, não apenas consigo mesmo – mas também com o próximo.
Para sentir empatia e compaixão por uma pessoa que está só, sofrendo, e desesperada, temos que nos lembrar de outras pessoas que também estiveram sós, sofrendo e desesperadas. Mas acontece que, não apenas uma pessoa, mas todo um grupo pode se esquecer. Esquecer significa o fim da civilização, o fim da cultura, o fim da generosidade, o fim da compaixão, o fim da humanidade. Por isto, eu mantenho a lembrança [do Holocausto] viva e tento fortalecê-la. Acredito – eu ainda acredito, apesar de tudo – que a lembrança é um escudo. Se nos lembrarmos do que as pessoas são capazes de fazer umas com as outras, amanhã poderemos ajudar os que poderão estar sendo ameaçados pelo mesmo inimigo.
É claro que gerações vão e vêm, e que novas gerações estão a caminho. Já se passaram quatro gerações, já existem netos e bisnetos de sobreviventes. Acredito que as terceiras e as quartas gerações são muito mais engajadas do que as primeiras foram. Por isto, pode-se dizer que há alguns pontos positivos no que está acontecendo atualmente. Vejo isto pelas cartas que recebo. São cartas de bisnetos ou dos filhos [dos sobreviventes]. Recebo inúmeras cartas de jovens, de escolas de segundo grau de todo o mundo, principalmente da América e da França – centenas delas…
Elas são tão lindas, a maioria escrita por jovens de 10, 12 e 16 anos de idade, falando e fazendo perguntas, externando o que sentem. Eles me emocionam muito, não há palavras adequadas para expressar o que sinto. [Só sei dizer que] Fico muito comovido.
[Neste momento], Estou olhando os envelopes com cartas destas crianças – ensino médio, ensino médio, ensino médio. Eu respondo a todas elas. Sabe de uma coisa? Deixe-me abrir esta aqui. É da Carolina do Norte, Winston Salem, Carolina do Norte: "Prezado Sr. Wiesel: Tenho 16 anos. Eu li seu livro "A Noite". É fantástico! A parte do livro que conta sua viagem de trem para o campo [de concentração] foi a que mais me impressionou porque foi a mais assustadora. Você já pensou em voltar para sua terra natal ou acha que seria muito doloroso?"
É este tipo de carta. Todas elas recebem uma resposta. Sabe de uma coisa? Elas têm prioridade. Minha secretária sabe disto. De todas as cartas que recebo, as dos jovens têm prioridade. Podem ser cartas de pessoas importantes, de pessoas muito importantes, de pessoas mais importantes ainda – mas [as respostas aos] jovens vêm em primeiro lugar.
Torno a dizer, acredito que quem ouve a história contada por um sobrevivente acaba se transformando em uma testemunha [do horror que houve], porque o sobrevivente em si é uma testemunha, e aqueles que o ouvem também o são. É assim [que] a minha fé se justifica.