4 de junho de 2009
SADIA SHEPARD:
Acredito que uma das coisas que comunidades como a dos Bnei Israel [judeus indianos] têm para nos ensinar, é que a ideia de receber a influência de várias tradições pode ser uma fonte de força que nos ajuda a definir quem somos, talvez de maneira muito mais aprofundada que o habitual.
ALEISA FISHMAN:
O livro de Sadia Shepard “The Girl from Foreign: A Search for Shipwrecked Ancestors, Lost Loves, and a Sense of Home" (A Garota do Estrangeiro: Uma Busca por Antepassados Náufragos, Amores Perdidos e o Sentimento de Lar) documenta as viagens que ela fez à Índia para se juntar à diminuta comunidade judaica que lá existe, com o objetivo de desvendar a história de sua família. A viagem e o livro a ajudaram a compreender sua herança multi-religiosa, e proporcionaram a ela uma percepção única das relações entre judeus, muçulmanos e hindus naquele país.
Vozes sobre o Anti-Semitismo é uma série de podcasts, abertos para o público, oferecidos pelo Museu Estadunidense Memorial do Holocausto. Junte-se a nós a cada duas semanas para ouvir novas perspectivas sobre a ameaça contínua do anti-semitismo em nossos dias. Meu nome é Alisa Fishman, e sou a apresentadora da série. A cada duas semanas, convidamos um participante para refletir sobre as diversas maneiras como o anti-semitismo, e o ódio, afetam o mundo de hoje. Com vocês, diretamente da cidade de Nova Iorque, Sadia Shepard.
SADIA SHEPARD:
Eu cresci na região de Boston, produto de uma estória de amor que se diria improvável. Minha mãe, Samina, chegou a este país nos primeiros anos da década de 1960, como uma estudante de intercâmbio estrangeira, vinda de Karachi, no Paquistão, e mais tarde fugiu com meu pai, um americano cristão das montanhas do Colorado. Eu fui criada em uma casa em Newton, Massachusetts, em meio a uma mistura maravilhosa destas duas culturas diferentes. Também fui criada por minha avó materna, a quem chamávamos de Nana. Nana veio do Paquistão em 1975 para ajudar a me criar. Quando eu tinha uns 13 anos de idade, descobri que Nana não era nem paquistanesa nem muçulmana, como eu sempre havia pensado, como todos os outros membros da família da minha mãe, mas, na verdade, tinha nascido no seio de um minúsculo grupo de judeus no oeste da Índia, uma comunidade chamada B’nei Israel. Era difícil entender como a minha avó, que usava um sári e cozinhava o que eu acreditava ser comida paquistanesa, era, na verdade, uma judia indiana. Então comecei a fazer muitas e muitas perguntas a ela sobre sua comunidade e sobre suas origens. Assim, descobri que ela era originalmente membro dos B’nei Israel, que acreditavam serem descendentes dos náufragos judeus que em 175 AEC [Antes de Cristo] chegaram à costa oeste da Índia. Eles acreditavam terem chegado à Índia em busca de uma vida nova, pois eram descendentes de uma das tribos perdidas de Israel [dispersas pelos antigos assírios no ano 720 AEC] . Aquelas novas informações foram uma revelação para mim, e tornaram-se como que um catalisador em minha vida.
Existem cerca de cinco mil judeus vivendo na Índia hoje, e cada uma destas comunidades judaicas tem uma história própria. No entanto, todas elas partilham de um grande legado, o de terem, quase todos, escapado do anti-semitismo ao longo de sua história no sub-continente indiano, e isto é algo de que eles se orgulham muito, o fato de que há um lugar, em uma parte do mundo, onde judeus e muçulmanos viveram e continuam vivendo amigávelmente. Em 2001, entrevistei Flora, a responsável por cuidar de uma das maiores sinagogas de Mumbai, a Magen David. Ela disse: "Sabe, os muçulmanos sempre foram nossos amigos. Havia certo medo, durante a Guerra de 1967 [quando Israel foi atacado por cinco países árabes mas conseguiu vencê-los], de que pudesse haver um conflito neste bairro porque havia uma presença significativa de judeus entre uma maioria muçulmana. Os comerciantes islâmicos, que tinham suas tendas de comércio do lado de fora dos portões da sinagoga, no dia em que todos receavam que poderia haver tal conflito, deram-se as mãos uns aos outros em frente aos portões da sinagoga e disseram ‘esta é a casa de Deus e devemos protegê-la.'" Nada de ruim aconteceu naquele dia. Ela me contou essa história com grande orgulho e disse: "Os muçulmanos sempre foram, e continuam sendo, nossos amigos." Eu achei aquela estória muito inspiradora.
Em novembro de 2008, durante os trágicos ataques terroristas que abalaram a cidade de Mumbai, além dos hotéis Taj e Oberoi, da estação de trem Victoria Terminus, também houve outro ponto crítico que foi atacado, o centro judaico do Chabad [um grupo judaico ortodoxo], o qual era um tipo de centro comunitário, um lugar de encontro para judeus expatriados visitando a Índia. Hoje em dia vivemos um período [histórico] em que vemos pessoas de diferentes comunidades sendo colocadas, cada vez mais, umas contra as outras. Este também é um momento de enorme turbulência no subcontinente indiano e em todo o mundo. Eu acho que, para se superar a ideia de um confronto de civilizações, precisamos compreender que nenhuma religião, seja o judaísmo, o islamismo, ou o cristianismo, é um monolito. Existe uma enorme diversidade nas maneiras de se praticar uma fé. Eu tive uma mãe muçulmana, um pai cristão, e uma avó judia. E [devemos lembrar que] existem outras crenças diferentes, existem diferentes ideias circulando. Mas os meus pais – os meus três pais [a avó é como se fosse uma mãe] – enfatizaram as semelhanças. Eu tenho primos que moram no Paquistão e primos que moram em Israel. Com certeza, os dois lados da minha família nem sempre estão de acordo. Mas, mesmo assim, graças à aliança [de casamento] entre meus avôs, eles estão unidos por laços familiares e são forçados a considerar a parte humana por trás das manchetes dos jornais. Esta é uma oportunidade pela qual eu me sinto pofundamente privilegiada.