4 de janeiro de 2007
AYAAN HIRSI ALI:
Quando eu vivia no Quênia, todas as formas de mídia transmitiam uma mensagem simples mas constante: a de que os judeus eram inerentemente ruins e de que possuiam uma natureza maligna. É assim que a população pobre dos países desfavorecidos recebe uma dose diária de ódio e, de certo modo, me pergunto: será que a população pode ser culpada [por ser anti-semita]? Será que minha mãe pode ser considerada culpada por acreditar nisto, uma vez que ela nunca ouviu nada diferente?
DANIEL GREENE:
Ayaan Hirsi Ali considera-se uma "dissidente do islã". Nascida na Somália, em 1992 Ali pediu asilo político aos Países Baixos para escapar de um casamento arranjado [por sua família]. Lá, ela estudou ciências políticas e acabou conquistando um assento no Parlamento Holandês. Em 2004, Ali assessorou o diretor Theo Van Gogh no filme "Submission" ("Submissão"), o qual lançou um olhar crítico sobre como a mulher é tratada no islã. Após a estreia do filme, Van Gogh foi assassinado por um radical islâmico, e Ali recebeu ameaças de morte. Atualmente, como membro residente do American Enterprise Institute”, em Washington, D.C., Ali continua firme em suas opiniões a respeito da liberdade de expressão, do ódio contra os judeus e de [necessidades de] reforma do islã.
Bem-vindos a "Vozes sobre o Anti-semitismo", uma série gratuita de podcasts produzidos pelo Museu Estadunidense Memorial do Holocausto. Meu nome é Daniel Greene. A cada duas semanas, convidamos um participante para refletir sobre as diversas maneiras em que o antissemitismo e o ódio afetam o mundo nos dias de hoje. Com vocês, a política e ativista Ayaan Hirsi Ali.
AYAAN HIRSI ALI:
Não me ensinaram [nada de bom sobre os judeus], e eu não via os judeus como gente. Para nós, eles eram demônios [Satan/Sheitan]. Quando criança, como eu não cresci em contato com judeus, tudo o que eu sabia sobre eles era produto da minha imaginação [alimentada pela propaganda anti-semita]. A maneira como os judeus eram descritos era sempre a de um ser com nariz grande, uma enorme cabeça careca, e no meio do crânio daquele Sheitan, daquele Satan judeu, havia um buraco através do qual saiam pequenos demônios, pequenos gênios do mal muito perversos, os quais ficavam nos induzindo a pecar e a nos distanciar de nossas obrigações para com Allah. Então, por exemplo, se em vez de ir rezar eu fosse brincar com os amigos, era porque um pequeno satã judeu tinha me induzido.
Em 1992, eu cheguei nos Países Baixos. Um dia, eu estava caminhando pelas ruas de Antuérpia com um amigo, e ele disse: "Estamos no bairro judeu", e então eu congelei.
Eu disse: "O quê?"
Ele respondeu: "Estamos no bairro judeu".
E eu perguntei: "Tem judeuzinhos aqui?"
Ele respondeu: "Sim".
Então, perguntei: "Onde?"
Ele apontou para um grupo de pessoas e disse: "Aquele homem ali, por exemplo."
Então eu disse: "Um homem? Mas aquilo ali é só um homem. É um ser humano".
Posteriormente, tivemos aulas de introdução à história, e foi então que tomei conhecimento da Segunda Guerra Mundial, do Holocausto, dos campos de concentração, das câmaras de gás e de tudo o mais. Eu não fiquei apenas chocada com o que havia acontecido e com as estórias, mas também profundamente envergonhada porque na época – [eu estava no contexto holandês] – tudo tinha a ver com superar o que havia sido errado nos anos 30 e 40. Como os holandeses puderam mandar tanta gente [entregando-as aos nazistas] diretamente para a morte? Será que todo mundo é assim ou era só a psique alemã? Eu simplesmente fiquei calada, e envergonhada, pensando que se tivesse vivido nos anos 30, e crescido do jeito que cresci, acreditando que os judeus eram ruins, talvez também tivesse participado daquilo. Aliás, conheço muita gente que também teria participado.
Não há como competir com o islamismo radical, nem com a disseminação de ódio contra os judeus que ele traz consigo. O ódio contra os judeus não é algo que algumas pessoas espalham individualmente, mas é parte de uma política pública. Quero dizer, eu me lembro de quando morei na Arábia Saudita, e de como os judeus eram tratados na imprensa oficial, pela mídia oficial do estado: eles eram maus, entes que deviam ser odiados. Esta retórica é semelhante à dos nazistas, que me foi então apresentada [nas aulas de historia]: os judeus são entes [malévolos] que detêm o poder, que controlam a mente das pessoas, o dinheiro e a mídia, e [eles] conspiram para destruir o islã.
Acho que temos [a obrigação] de derrubar esta barreira e espalhar uma mensagem diferente, de esperança e humanidade.